Ser índio é sinônimo de resistência no Brasil

30/08/2017


Quem era criança em 1989 certamente deve ter balançado o esqueleto ao som de uma música que hoje, em sã consciência, não só não dançaria como ainda faria uma análise nada favorável à letra: “Brincar de índio”, da então tia Xuxa, que por muitas vezes colocou índios no palco do programa dela para que ficassem vendo a ela e às paquitas fazendo aquela coreografia ridícula, com letra idem.

Vi dia desses o vídeo no youtube e já paguei minha cota de penitência por arrependimento de um dia, em tenra infância, confesso, ter achado algum tipo de graça na letra, no bom sentido falando. Mas, ô maluca, porque falar deste assunto agora, se nem é mês de abril, portanto, mês de festejo pelo dia do índio?

Aldeia Demini Yanomami

Bem, em princípio, certos temas não deveriam ser falados apenas nas respectivas datas comemorativas, não é mesmo? E os povos indígenas, a maneira como vivem ou sobrevivem neste Brasil das desigualdades em pleno século XXI, deveria ser uma discussão mais presente. Como não é, vamos sim usar das datas comemorativas para fazer com que o tema seja lembrado. Anualmente, no dia 9 de agosto é comemorado do Dia Internacional dos Povos Indígenas.

Instituída pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 23 de dezembro de 1994, o principal propósito data é lembrar a importância da conscientização sobre a inclusão dos povos indígenas nos direitos humanos, e garantir a preservação da cultura tradicional deles como fonte primordial da identidade de cada povo.

Particularmente, acredito que um está dentro do outro, afinal de contas, aquele que não tem a cultura respeitada, consequentemente não tem a identidade preservada. Vamos à parte prática desta minha contestação. Sabemos que muitas comunidades indígenas brasileiras foram invadidas pelos “homens brancos”, que inseriram no convívio dos indígenas elementos que não pertenciam a eles, como vestuário, bebidas alcoólicas, televisão e doenças, muitas doenças, que dizimaram milhares de índios. Ou seja, a cultura tradicional deles não foi respeitada e isso alterou a identidade. Ou não?

Xingu

De acordo com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), com base nos “Dados demográficos da população indígena no Brasil”, publicação do ano de 2013 de Marta Maria Azevedo, no ano de 1500, portanto, quando do “descobrimento” do Brasil, existia uma população de dois milhões de índios. Em 2010 esse número caiu para 817.963, apenas 0,26% da quantidade inicial, número obtido pelo IBGE através do Censo Demográfico realizado no ano de 2010. Deste total, 502.783 vivem na zona rural e 315.180 habitam as zonas urbanas brasileiras de todos os Estados do país. Em Sergipe existem 5.221 índios, mas apenas 316 vivem em terras indígenas, sendo 178 homens e 157 mulheres.

A FUNAI também possui nos registros 69 referências de índios ainda não contatados, e a existência de 274 línguas indígenas em uso. Isso quer dizer que 17,5% dessa população não falam português. “Esta população, em sua grande maioria, vem enfrentando acelerada e complexa transformação social, necessitando buscar novas respostas para a sobrevivência física e cultural, e garantir às próximas gerações melhor qualidade de vida. As comunidades indígenas vêm enfrentando problemas concretos, tais como invasões e degradações territoriais e ambientais, exploração sexual, aliciamento e uso de drogas, exploração de trabalho, inclusive infantil; mendicância e êxodo desordenado causando grande concentração de indígenas nas cidades”, descreve a Fundação no site da instituição.

TESTEMUNHA OCULAR

Karina na tribo Zoé

Quem presenciou esta realidade de perto foi a repórter fotográfica sergipana Karina Zambrana, na profissão há 15 anos e um boa parte deste tempo fotografando índios brasileiros, devido ao trabalho para a Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde, e cobrindo o Programa Mais Médicos em localidades indígenas do Nordeste, pela Organização Panamericana da Saúde (OPAS). Ela me contou que conheceu desde aldeias isoladas a comunidades que pareciam bairros, e em nada lembravam espaços indígenas.

“Infelizmente o brasileiro ainda tem muita coisa idealizada sobre o assunto, mas é até compreensível, porque o país é grande, com várias etnias e cada uma com seu modo de viver. Tem muitos que perderam os costumes tradicionais por causa dos chamados homens brancos, de missionários das igrejas que invadiram as comunidades e dos garimpeiros que além de os tornarem empregados deles, também inseriram muitas doenças nas aldeias, inclusive pela contaminação do meio ambiente”, relembrou Karina Zambrana. Uma das experiências que mais a marcou foi a ida até a comunidade Waiwai, no Pará, cujo acesso é feito apenas por meio de aviões pequenos, os monomotores, ou helicópteros, mas onde presenciou uma total transformação dos valores e costumes por causa da ingerência de uma igreja protestante.

Ela lembra que a igreja era um enorme galpão feito em madeira, entupido de condicionadores de ar por causa do intenso calor e que o pastor ia ao local de vez em quando em avião anfíbio – aquele que pousa n’água -. Porém, o que mais chamou a atenção dela foi o fato de os índios tomarem banho de roupa, pois o pastor incutiu na cabeça daquele povo que era pecado tomar banho sem roupa. Bizarro, não?

Aldeia Tototobi Yanomami

“Achei tudo tão absurdo que aquela comunidade não sai da minha cabeça. Mas nessa minha profissão também já fui agraciada com a possibilidade de estar em aldeias onde eu tinha que pedir permissão para fotografar, porque os índios acreditavam que as lentes da máquina roubavam-lhes a alma, a exemplo do que sempre disse o Yanomami, Davi Kopenawa”, comentou. Segundo ela, tantos os Yanomamis, quanto os Zoés, esta última aldeia com apenas 280 índios e onde o fotógrafo Sebastião Salgado fez as fotos do livro Genesis, deram a ela importantes lições de vida, e as principais foram de que não é preciso de muito para viver, e de que é necessário cultivar a paciência.

Tribo Zoé

Ela confessou que ficou maravilhada em perceber que, mesmo vivendo isolados, os índios dessas comunidades são felizes e não sentem falta do contato com o homem branco, que pescam, caçam, fazem tapioca, tomam banho no rio, não comem sal ou açúcar, enfim, vivem do que a terra e rio oferecem.

“Trabalhar muitos anos indo a comunidades indígenas me mostrou que eles são muito felizes, ao modo deles; que nós somos muito consumistas e que causamos o mal dos índios à medida em que poluímos os rios, invadimos as aldeias impondo nossa cultura e, por isso, muitas vezes, dando à elas aspectos terríveis. Fomos nós quem levamos doenças graves para eles, coisas que para nós são simples, como a gripe, mas que matou muitos índios, a exemplo do que aconteceu com os Zoés há alguns anos. Aprendi que temos que respeitar os povos indígenas sempre, independente de data, porque eles são, para mim, os verdadeiros donos da terra”, concluiu a jornalista e repórter fotográfica, Karina Zambrana.



Comentários

Andréa de Moura Santos comentou:
Olá Márcia, que bom que você gostou do artigo. Para você entrar em contato com a Karina, creio que o caminho mais fácil será enviando direct pelo insta, o dela é @karinazambrana e tem ainda o site dela, o www.karinazambrana.com Qualquer coisa, manda mensagem para meu e-mail, [email protected] e a gente vai se falando. Beijos e sucesso!
Márcia Tavares Pinheiro comentou:
Andrea, Boa tarde. Parabéns pelo artigo! Acho que tês as crianças do Brasil deveriam saber sobre a realidade do índio no Brasil e o que é ser índio realmente.Moro no México há 18 anos e aqui sou professora de português. Atualmente, estou atualizando os livros que publiquei para o ensino de português intercultural e estou preparando um texto sobre o que é ser índio e gostaria de saber como posso solicitar autorização para o uso de alguma imagem da fotógrafa Karina Zambrano para ilustrar o texto. Desde já agradeço a atenção.Um grande abraço,

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