ARTIGO - Separação convencional de bens com direito à herança

21/07/2025


Por Eduardo Soares Ribeiro

A separação de bens ainda carrega um estigma injusto. Para muitos, é sinônimo de desconfiança, frieza ou uma tentativa de blindagem contra o outro. Na prática, o que testemunho todos os dias na advocacia sucessória é exatamente o oposto: casais maduros e afetivamente seguros escolhem esse regime não por medo, mas por respeito mútuo e autonomia consciente.

A separação convencional de bens permite que cada um preserve sua identidade patrimonial sem renunciar ao projeto comum de vida. Trata-se de um pacto de liberdade, onde os vínculos afetivos não se confundem com o controle de bens. Amar não exige fusão — exige confiança para caminhar junto sem se perder de si.

Mas faço aqui um ponto de inflexão essencial: separar os patrimônios não deve significar desamparo na morte. É perfeitamente possível escolher a separação de bens e, ao mesmo tempo, reconhecer o companheiro ou cônjuge como herdeiro, respeitando a trajetória afetiva construída a dois.

O Supremo Tribunal Federal sedimentou esse entendimento no julgamento do RE 878.694/MG, afirmando a igualdade entre cônjuges e companheiros no direito sucessório. Foi uma decisão técnica sim, mas sobretudo civilizatória. Rompeu com a lógica ultrapassada que negava a existência do afeto nas formas não tradicionais de família.

Na vivência cotidiana com inventários, partilhas e planejamentos familiares, percebo como esse modelo — separação em vida, herança na morte — é funcional, equilibrado e justo. Protege filhos de uniões anteriores, evita litígios na dissolução da união e garante ao sobrevivente a dignidade de não ficar à margem daquilo que ajudou a construir.

Há casais que permanecem juntos por puro apego material, mesmo quando o vínculo afetivo já se esgotou. Relações que sobrevivem por medo da partilha — não por amor. E isso, a meu ver, não é proteção: é prisão patrimonial. O Direito deve ser instrumento de autonomia e respeito, e não de dependência ou ressentimento.

Por isso, defendo com serenidade o uso da separação convencional de bens com preservação do direito à herança. Um pacto de liberdade que reconhece a individualidade, sem apagar a história em comum. Uma escolha que não nega o amor — o afirma com lucidez. Separar não é desfazer. E herdar, nesse contexto, é continuar — não explorar.

Quando bem orientado, esse regime evita litígios, promove responsabilidade e traduz um tipo de cuidado que transcende a vida. Porque não há desamparo na morte quando houve respeito em vida. E não pode haver apego patrimonial que prolongue relações já vencidas pelo tempo. A separação consciente com herança legítima é, em essência, um gesto de amor lúcido — o único capaz de proteger, até o fim, quem se escolheu com liberdade.

Sobre o autor

Dr. Eduardo Soares Ribeiro é advogado, palestrante e gestor público. Especialista em Direito das Sucessões, atua nacionalmente na condução de inventários, partilhas e planejamentos patrimoniais de alta complexidade. Integra a Comissão Nacional de Direito das Sucessões da OAB, participando ativamente da formulação de políticas públicas na área. É fundador do Soares Ribeiro Advocacia, escritório com sedes em São Paulo e Sergipe, reconhecido por sua atuação técnica, estratégica e humanizada na defesa da memória e do patrimônio familiar.



Comentários

Nenhum Resultado Encontrado!

Deixe um Comentário

Nome
E-mail
Comentário